5 de setembro de 2010

Itaquera espera, em 3 anos, crescer duas décadas


O bairro que São Paulo vai mostrar ao mundo em 2014 tem cara de periferia e espaço de sobra para crescer. Em Itaquera, duas dezenas de conjuntos habitacionais, um comércio de lojas bem simples e indústrias que soltam fumaça preta de suas chaminés remetem a uma zona leste dos anos 1990. Tudo bem diferente da reurbanização que atraiu até a classe média alta para o eixo Tatuapé-Vila Prudente.
Mas, para inveja dos vizinhos emergentes, quem vai aparecer para o mundo daqui a quatro anos é Itaquera. É lá que será erguido o estádio que deve receber a abertura da Copa de 2014. Nos próximos três anos, empresários, pequenos comerciantes e associações de moradores esperam presenciar o que não viram acontecer na região em duas décadas. E a mobilização para garantir a 'chance histórica' de melhorias já começou.
Com 525 mil habitantes, uma população maior que a de Santos - que tem 418 mil moradores -, Itaquera quer aproveitar a construção do estádio corintiano para alavancar obras planejadas nas últimas quatro gestões de prefeitos e governadores. 'Mas só o estádio não vai adiantar nada. Se o governo não fizer a requalificação do sistema viário para integrar de vez a nossa região ao centro e às rodovias, as empresas não vão chegar. E pior: o trânsito bom que ainda temos vai virar um inferno em dias de jogos', alerta Eduardo Pinheiro, de 56 anos, presidente da Associação de Moradores do bairro 15 de Novembro.
Nascido e criado em Itaquera, Pinheiro comanda com os dois filhos a loja de móveis aberta em 1964 pelo pai, José Pinheiro Borges, que deu nome ao trecho da Radial Leste entre Itaquera e Guaianases. 'Esse prolongamento foi uma luta de quase uma década', lembra o comerciante. 'Agora é a vez de lutar por um polo industrial que crie emprego no bairro', acrescenta.
Trabalho. Criar emprego perto de casa, para uma população acostumada a perder pelo menos duas horas por dia no transporte público, é um dos principais desafios. Na capital, segundo dados da Prefeitura, há em média 50 empregos para cada cem habitantes. Em Itaquera, a média cai para 16 vagas para cem habitantes. 'Não dá para transportar uma Santos duas vezes por dia dentro da cidade. Não há metrô ou sistema viário que suporte', afirma o empresário Silvio José Gonçalves, vice-presidente da Associação Cristã de Moços (ACM) de Itaquera.
Dono de uma imobiliária instalada no bairro há 34 anos, Gonçalves lamenta só poder vender apartamentos de conjuntos habitacionais no bairro. O zoneamento de Itaquera, em vigor desde 2004, impede empreendimentos com mais de 25 metros de altura ou oito andares.
'Se construísse hoje imóveis de 100 metros quadrados perto do Parque do Carmo, teria comprador de sobra. Aqui, quem melhora de vida acaba tendo de mudar para o Tatuapé', conta o empresário, que se diz otimista com a chegada do novo estádio ao bairro. 'Mas as empresas só vão chegar quando for concluído o prolongamento da Avenida Jacu-Pêssego até o Aeroporto de Guarulhos', adverte. O projeto, sob responsabilidade da prefeitura de Guarulhos, prevê uma extensão da via até a região industrial da cidade, passando pela Rodovia Presidente Dutra.
Urbanização. O boom imobiliário e de shoppings centers criou duas 'zonas lestes' desde o início da década, segundo urbanistas e moradores. Da Mooca até Artur Alvim, passando pelo Tatuapé, terrenos ociosos de antigas indústrias foram ocupados por condomínios verticais de classe média.
Nas margens da antiga linha da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), 16 favelas removidas desde 2003 deram lugar a novas avenidas cheias de restaurantes, baladas e torres residenciais de 20 andares. Essa reurbanização, contudo, nunca chegou até Itaquera, classificada pelos corretores de imóveis como 'zona leste 2'. 'Com a Copa, é preciso acabar com a divisão entre a 'zona leste pobre' e a 'zona leste rica'. Os avanços do Tatuapé precisam alcançar Guaianases', afirma o comerciante Roberto Takenzo, de 71 anos.
O NOME DO BAIRRO
ITAQUERA
BAIRRO DA ZONA LESTE
Itaquera é referência, antes de tudo, ao Rio Itaquera, localizado naquela área. Depois, o nome passou a identificar todo um bairro. Itaquera vem do tupi e significa pedreira velha: ita (pedra); quera (velha). Pode significar, também, apenas pedreiras ou pedras porque o sufixo 'cuera' forma plural.

3 comentários:

Paulo Roberto Brandão disse...

eu conheci ITAQUERA EM 1965. MAIS É MUITO MAIS DO QUE EU POSSA FALAR...Diferente do que muita gente imagina, Itaquera, situada no extremo Leste da cidade de São Paulo, a 20 quilômetros do marco zero (Praça da Sé), tem uma história muito bonita, repleta de lutas sociais e de um bairrismo silencioso e romântico que por anos a fio não atravessava os limites desse lugar, permanecendo apenas no coração de seus moradores mais antigos.
Já foi, e isto é fato, uma grande, problemática e populosa periferia metropolitana, rica em potencial de votos mas pobre demais para sediar seu próprio desenvolvimento econômico e social. Embora o retrato de Itaquera seja outro, hoje em dia, dificilmente o bairro deixará de carregar tal rótulo, inclusive porque a grande mídia costuma olhar para cá somente para focar os problemas e não o progresso regional e o trabalho das pessoas que fazem daqui, um grande lugar.
Como a maioria dos municípios brasileiros, este bairro também teve sua origem indígena. A palavra Itaquera provém do guarani - linguagem utilizada pelos índios - e significa “Pedra Dura” (Ita-Aker). Foi oficialmente fundada no dia 6 de novembro de 1686 e, em 2008 completou 322 anos. Até um passado não muito remoto, o bairro era um imenso dormitório, uma vez que a maioria dos habitantes estudava, trabalhava e se divertia fora.

Paulo Roberto Brandão disse...

Até 1970, a principal economia local era essencialmente agrícola (baseada no cultivo do pêssego). Com a modernidade, o bairro que sempre possui excelente clima e espaço para o desenvolvimento de São Paulo, passou a receber indústrias que aproveitavam a mão-de-obra remanescente da migração para o Leste. A infra-estrutura necessária a um lugar que cresceu completamente sem planejamento tardou a chegar. Além do centro e de alguns bairros cujos moradores têm melhor poder aquisitivo, o restante, a grande periferia permanece amargando carências. Itaquera continua crescendo e, da mesma maneira que milhares de brasileiros, os itaquerenses natos ou que adotaram o bairro como pátria, crêem que dias melhores virão, gerando qualidade de vida aos moradores e dotando Itaquera da infra-estrutura necessária para que, enfim, possa sediar o desenvolvimento em todos os setores.

Paulo Roberto Brandão disse...

Ferrovia: certidão de nascimento
A estação ferroviária foi, até 2004, o principal marco de desenvolvimento de Itaquera, pois foi a partir de sua inauguração, em 1875, que o bairro passou a crescer. Depois que a locomotiva 353, a famosa Maria Fumaça, circulou por aqui intensificou-se o processo de migração. Comerciantes de vários ramos abriram estabelecimentos facilitando a vida dos moradores. Até então, os itaquerenses tinham que comprar no centro da cidade ou fazer encomendas por meio de interlocutores comerciais. Esta é, sem dúvida, uma parte da história que não pode ser esquecida ou omitida.
A linha dividia o centro comercial, cortando Itaquera em dois extremos. À direita ficavam os sítios Caaguassu e Caçapava (hoje o lado da rua Gregório Ramalho) e à esquerda, ao lado das avenidas Pires do Rio e Campanellas, situavam-se os sítios “Casa Pintada” e “Rincão dos Taipas”. Além do trem que circulava somente duas vezes ao dia, pelo bairro, de manhã e à tarde, Itaquera não possuía nenhum outro meio de transporte, exceto as carroças. Nos dias úteis da semana elas eram usadas para carregar material de trabalho. Nos finais de semana, os moradores seguiam de carroça para divertirem-se em festas na vizinhança, as fazendas próximas.
Era por meio da Maria Fumaça que os colonos levavam a produção agrícola, principalmente o pêssego, para ser comercializada no mercado central. Além disso, “tomar” o trem representava um passeio para os moradores. Da locomotiva a vapor ao sistema de transporte ferroviário atual, Itaquera evoluiu bastante, mas ainda assim os moradores viajavam em composições inseguras e precárias, graças ao vandalismo e ao descaso público. O mais recente incremento feito sobre a ferrovia e o sistema de trens foi finalizado no ano 2000: a inauguração do Expresso Leste, que vai de Guaianases à estação da Luz. Integrado ao metrô, o sistema diminuiu o tempo de viagem, fechou algumas estações, entre elas a de Itaquera, Artur Alvim e Cidade Patriarca.
Embora a ferrovia tenha exercido importante papel no progresso de Itaquera e bairros próximos, a desativação dessas estações coloca um ponto final na história, uma vez que o trecho, pelo qual circularam desde a Maria Fumaça às composições de agora, foi transformado na extensão da avenida Radial Leste, de Itaquera até Guaianases.
Cada comunidade briga pela aplicação de projetos nesses locais que são parte do patrimônio da região. Ativistas culturais e principalmente a equipe do jornal Notícias de Itaquera defenderam, até o último momento, a permanência do prédio da estação para que fosse transformado num espaço cultural, como um memorial do migrante, uma vez que grande parte de São Paulo é habitada por migrantes, assim como a maioria da população de Itaquera. Os imigrantes já têm um memorial situado entre as estações Brás e Bresser do metrô. O Governo do Estado, por meio da Secretaria da Cultura, recebeu o projeto do NI e acenou positivamente, mas antes que qualquer iniciativa fosse tomada, a Prefeitura optou pela demolição da estação, em junho de 2004, ano em que a então prefeita Marta Suplicy tentava a reeleição e investiu em obras de maior visibilidade aqui na Zona Leste. A estação foi sacrificada, assim como a própria história do bairro. Absurdos de quem não valoriza a cultura, a arte e a história.